Saúde do oceano e equilíbrio climático dependem da redução da emissão de CO2 e queima de combustíveis fósseis. Entrevista especial com Marinez Scherer

“O que acontece no oceano tem reflexos na parte terrestre do planeta”, afirma a Enviada Especial da presidência da COP30 para Oceanos

Foto: Reprodução UFSC

Por: Patricia Fachin | 04 Dezembro 2025

O desenvolvimento científico nos habituou a examinar e a compreender a realidade de modo fragmentado, segundo suas partes, mas aquela velha ideia de que tudo está conectado, diz a bióloga Marinez Scherer, “é uma grande verdade”. Um exemplo bastante atual disso é o clima, acrescenta a pesquisadora, ao explicar como o aumento das emissões de gás carbônico aquece e acidifica o oceano, gerando o desequilíbrio climático. “O que acontece no oceano tem reflexos na parte terrestre do planeta. Os efeitos não ocorrem somente nas proximidades das praias. Os municípios e áreas costeiras sofrem os eventos extremos, como inundação e erosão, mas a mudança do clima e essa alteração a ponto de causar mais secas ou mais chuvas influencia o interior do planeta inteiro”, esclarece. 

Apesar de nos referirmos aos oceanos com cinco nomes específicos – Pacífico, Atlântico, Índico, Glacial Ártico e Glacial Antártico –, margeando distintos continentes do planeta, Marinez Scherer com frequência fala dos oceanos no singular porque “o oceano é conectado. Por isso falamos que é um oceano”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ela repete insistentemente que as emissões de CO2 estão alterando o oceano e desequilibrando o clima do planeta. Enviada Especial da presidência da COP30 para Oceanos, ela comenta os principais temas abordados na Conferência do Clima, realizada em Belém entre 10 e 21 de novembro, e as metas e políticas brasileiras de preservação aos ecossistemas marinhos e costeiros. “Uma discussão mais franca sobre a emissão dos combustíveis fósseis e a saúde do principal regulador climático do planeta, o oceano, precisa ser mais forte”, assegura.  

Marinez Scherer (Foto: Conferência dos Oceanos | COP30)

Marinez Scherer é graduada em Biologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora em Ciências Marinhas pela Universidade de Cádiz, na Espanha. É coordenadora-geral de Gerenciamento Costeiro e Planejamento Espacial Marinho no Departamento de Oceano e Gestão Costeira da Secretaria Nacional de Mudança do Clima, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Leciona na UFSC e é treinadora em Planeamento Costeiro e Ordenamento do Espaço Marinho (Blue Planning in Practice, BPiP-GIZ) e treinadora na Ocean Teachers Global Academy (OTGA, IOC/Unesco) para o Curso Planejamento Espacial Marinho e Costeiro (2021, 2022 e 2023) no contexto do Centro de Treinamento Regional Cono-Sur, uma parceria com a Universidade da República do Uruguai (Udelar).

Confira a entrevista. 

IHU – A senhora declarou que a COP30 marcou um ponto de virada para os oceanos. Outros oceanógrafos brasileiros são mais reticentes e menos otimistas. O que esse ponto de virada significa hoje frente às demais conferências do clima?

Marinez Scherer – Nós precisávamos e precisamos de compromissos muito mais fortes para deter a emissão de CO2 e queima de combustíveis fósseis para que se mantenha a saúde do oceano. No entanto, tiveram várias “primeiras vezes” para os oceanos nesta COP e isso tem sido discutido entre pessoas que estão atuando na agenda de oceano e clima por mais tempo. Ou seja, o oceano foi elevado na discussão. Nesse sentido, o oceano foi um dos temas escolhidos pela presidência do Brasil para ter um enviado especial. Isso nunca aconteceu antes – mas também nunca houve enviado especial em outras COPs –, mas o fato é que foi dado um destaque ao oceano entre os demais enviados especiais: floresta, energia, bioeconomia. Ou seja, o oceano esteve no mesmo nível de importância dos demais.

Além disso, na abertura da cúpula dos líderes, uma das três palestras abordou a temática do oceano. Nenhum outro enviado especial falou. Ou seja, nenhum outro tema específico, escolhido pela presidência da COP, foi discursado para os líderes. Na agenda da cúpula também houve uma sessão especial para florestas e oceanos. É a primeira vez que o oceano aparece na agenda da cúpula dos líderes.

O tema também teve uma abrangência muito grande na mídia, com entrevistas faladas e escritas e artigos de opinião publicados. Isso deu uma visibilidade para os oceanos a ponto de conseguirmos que saísse algo sobre a importância deles e a proteção dos ecossistemas marinhos no texto final da COP. Na COP29, a palavra oceano não apareceu na negociação final, embora tenha aparecido na COP28. A comunidade que trata do oceano estava com medo de que isso se perpetuasse, mas conseguimos trazer de volta a palavra oceano e a importância dos ecossistemas marinhos para a COP30.

Precisamos caminhar muito. Temos esperança de que, a partir desse momento criado pela COP30, consigamos avançar um pouco mais. Além disso, na Agenda de Ação relacionada ao objetivo 7 da Agenda de Ação, que é restaurar e proteger ecossistemas costeiros e oceanos, tivemos o Pacote Azul. Este pacote é um plano de aceleração de soluções que traz uma série de ações de implementação de soluções baseadas no oceano e nas zonas costeiras. No Pacote Azul existe uma ação piloto de incentivar os países a pararem de queimar combustíveis fósseis. Essa é uma das ações que precisamos garantir para que os oceanos sejam saudáveis.

IHU – A que atribui o destaque dado aos oceanos neste momento?

Marinez Scherer – A ciência já demonstrou que a regulação climática depende do oceano. A questão é que essa comunicação precisa chegar aos líderes e à sociedade, que precisa entender a importância dos oceanos para cobrar os políticos. Além disso, a ciência tem mostrado a importância de um oceano saudável para a regulação climática. Também houve uma vontade política de que esse assunto fosse colocado em pauta porque essa iniciativa veio da presidência da COP. Sem dúvida alguma, a comunicação foi fundamental. A comunicação feita em 2025, em eventos e na mídia, foi conscientizando a sociedade, os políticos e os negociadores. Nessas frentes, avançou-se um passo.

IHU – Como o oceano atua na regulação do clima? As florestas eram anunciadas como o principal ator na regulação climática, mas, nos últimos anos, os pesquisadores têm chamado a atenção para a centralidade dos oceanos nesse processo.

Marinez Scherer – O oceano captura e armazena 90% do calor excedente que liberamos através das atividades humanas, da queima de combustíveis e da emissão de gases que formam o efeito estufa. 1/4 da captura de CO2 é o oceano que faz por meio dos microrganismos e da massa d’água. Esses dois serviços ajudam a manter o clima estável, regulado, equilibrado. É claro que a floresta também tem seu papel nisso, mas sem o azul não tem o verde.

Se o oceano não estiver funcionando como deve funcionar, não teremos vida climática equilibrada na terra e já sabemos as consequências disso para a agricultura, para a vida das pessoas e para a própria pesca, que pode ser alterada.

O que está acontecendo hoje é que continuamos emitindo CO2 e o oceano continua esquentando mais. Isso leva a disfunções do ambiente do oceano e da zona costeira, como, por exemplo, a mortandade dos recifes de coral que, apesar de serem ecossistemas que não estão pelo planeta inteiro, são responsáveis por grande parte da biodiversidade do oceano e por toda a vida marítima que tem influência na pesca. A captura de cada vez mais CO2 – porque estamos lançando cada vez mais CO2 na atmosfera – faz com que o oceano se acidifique, ou seja, deixa de ter um pH neutro e começa a ser mais ácido. Isso gera consequências na biodiversidade, que faz com que percamos os serviços ecossistêmicos de provisão e alimento numa cadeia. Essas duas questões, aliadas aos problemas que elas trazem, têm como consequência a perda da capacidade de regulação do planeta.

Oceano conectado

O oceano é conectado. Por isso falamos que é um oceano. As correntes oceânicas – aquelas megacorrentes oceânicas, e não aquelas que vemos na praia – se resfriam e esquentam. Quando vêm para a superfície, se aquecem, e quando mergulham, se esfriam. Esse andar das correntes por todo o oceano, por todo o mundo, é o que regula as áreas mais quentes e mais frias do planeta. Quando esquentamos demais o oceano, começamos a alterar a velocidade dessas correntes. Esse movimento da velocidade e de onde as ondas ficam mais frias ou quentes, esse balé das correntes marinhas, faz com que o planeta tenha equilíbrio. As correntes oceânicas influenciam a temperatura, o clima de chuvas e o clima de ventos. Se modificamos esse movimento através de um aquecimento exagerado do oceano, vamos alterar o clima na terra.

O que precisamos entender é que tudo isso está extremamente conectado. Aquela ideia de que temos um só planeta e tudo está conectado é uma grande verdade. O clima talvez seja o melhor exemplo para ver isso. O que acontece no oceano tem reflexos na parte terrestre do planeta. Os efeitos não ocorrem somente nas proximidades das praias. Os municípios e áreas costeiras sofrem os eventos extremos, como inundação e erosão, mas a mudança do clima e essa alteração a ponto de causar mais secas ou mais chuvas influencia o interior do planeta inteiro. Por exemplo, a agricultura depende da saúde do oceano por causa da regulação climática.

Assim como falamos “salvem as florestas”, também precisamos dizer “salvem os oceanos”. Não é um ou outro. Eles estão totalmente conectados. Além disso, se devastarmos a floresta e contaminarmos os rios, não estaremos afetando apenas a floresta e os ecossistemas terrestres. Tudo isso é carreado para o oceano através das bacias de drenagem, dos rios e afeta o oceano, que tem uma retroalimentação com a terra. Então, precisamos pensar o planeta como um único planeta completamente conectado.

IHU – A decisão brasileira de liberar pesquisas para a exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas é coerente com este contexto de dar maior importância aos oceanos no enfrentamento às mudanças climáticas e com esse entendimento de um planeta interligado que você explica? Esse tipo de pesquisa vai na direção contrária da preservação dos oceanos ou precisa ser compreendido de outra maneira, isto é, como uma pesquisa importante no atual cenário de exploração de combustíveis fósseis nacional?

Marinez Scherer – Tem duas coisas. Precisamos parar de queimar combustíveis fósseis na escala que estamos queimando. Mas isso depende de um mutirão internacional. Nesse sentido, a presidência do Brasil propôs um mapa do caminho para diminuição da queima de combustível fóssil, o qual não foi aceito por consenso.

A questão de fixar o local onde isso tem que ser feito – no Brasil, no Reino Unido, na Índia, nos EUA – é problemática. Enquanto não tivermos um acordo internacional em que todos os países vão caminhar, cada um entendendo sua condição econômica e política para uma diminuição da exploração e queima dos combustíveis fósseis, não vamos ter solução climática. Nesse sentido, sim, não deveríamos estar caminhando para mais exploração e queima de combustível fóssil se queremos um clima adequado. Num sentido geopolítico e econômico, cada país precisa entender sua situação e realmente sentir que o mundo precisa de um acordo.

IHU – O presidente Lula defende que a pesquisa e, posteriormente, se possível, a exploração, seja feita de modo sustentável. Isso é possível? Um dos dilemas nesta discussão é o que se entende por sustentável?

Marinez Scherer – Exatamente. Se formos pensar em condições planetárias da sustentabilidade do planeta, ou paramos de queimar combustível fóssil ou não vamos ter essa sustentabilidade. Numa perspectiva planetária, isso não tem como ser sustentável. É possível ter programas e ações de mitigação de impactos ou de prevenção de impactos dessa exploração específica, prevendo vazamentos, por exemplo. Isso é uma coisa. Mas em termos da atividade em si, planetariamente, não tem como ser sustentável.

IHU – A COP30 anunciou o chamado Pacote Azul, um plano que reúne ações em prol dos oceanos. Em que esse pacote ajuda no enfrentamento das mudanças climáticas e com quais metas o Brasil tende a se comprometer em relação à proteção dos oceanos e ecossistemas marinhos como resultado da COP30?

Marinez Scherer – O Pacote Azul ajuda na medida em que estipula metas, ações, prazos e responsáveis. Então, há um portfólio de ações que devem ser implementadas. Além disso, foi estabelecida uma plataforma de monitoramento dessas ações. São metas internacionais bastante ambiciosas. Qualquer instituição, do local ao internacional, de governos à filantropia, que quiser colocar essas ações em prática pode seguir esse portfólio de ações que já estão sendo postas em prática.

A presidência da COP instruiu, sugeriu e conversou com os grupos de ativação de cada um dos objetivos da Agenda de Ação para que trouxessem para essa agenda medidas que já estão funcionando, mas precisam ser aceleradas e implementadas. O Pacote Azul mostra um caminho de várias ações que podem e já estão sendo feitas, que têm responsáveis. Nesse sentido, ele tem uma capacidade maior de implementação.

O Brasil já colocou a proteção dos manguezais, dos recifes de coral e o planejamento espacial marinho como metas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs) azuis, baseadas nos oceanos e zonas costeiras. Essas medidas vêm ao encontro do planejamento e da gestão sustentável do oceano, que é o guarda-chuva do Pacote Azul.

Nesse sentido, o país já se comprometeu e tem políticas, como a Estratégia Nacional do Manguezal (ProManguezais) e a Estratégia Nacional dos Recifes de Corais (ProCoral). Também está desenvolvendo, através de parcerias com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), através do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), o planejamento espacial marinho em toda a zona econômica exclusiva do Brasil.

Além disso, durante a COP30 o país aderiu ao High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy, que é um grupo de 19 países que, juntos, respondem por aproximadamente 40% das zonas econômicas exclusivas do planeta inteiro. Essas são as áreas de jurisdição nacional. Ao aderir a esse grupo, o Brasil assumiu o compromisso de fazer a gestão sustentável dos oceanos dentro da jurisdição nacional até 2030. O país entra nesse grupo porque está fazendo o planejamento espacial marinho.

Sabemos que o Brasil está iniciando a exploração da produção de energia eólica offshore, que é uma das soluções baseadas no oceano, mas que tem que ser feita de maneira sustentável.

IHU – A discussão em torno do financiamento nas conferências do clima é um ponto de tensão. Enquanto alguns defendem e discutem modos de financiamento, outros criticam o fato de a conferência ter se transformado num balcão de negócios, cujos financiadores internacionais estão envolvidos em práticas que dificultam o enfrentamento das mudanças climáticas. Critica-se, por outro lado, o financiamento insuficiente para políticas de adaptação, mitigação e compromissos estruturais. Em relação à preservação dos oceanos, qual é o estágio atual do debate sobre o financiamento?

Marinez Scherer – O objetivo 14 do Desenvolvimento Sustentável trata da vida embaixo d’água e está relacionado ao ambiente marinho. Esse é o objetivo que tem menos fundos e financiamentos. Menos de 1% dos financiamentos desse objetivo vai para os oceanos. Ou seja, as questões baseadas no oceano carecem muito de financiamento. As soluções baseadas nas zonas costeiras dão um show de adaptação, mas faltam recursos para a adaptação.

Existem vários grupos discutindo mecanismos de financiamento e formas de viabilizá-lo, mas não existem fundos para a preservação dos oceanos, como existem para as florestas, a exemplo do fundo Florestas Tropicais para Sempre. Temos poucos fundos ou financiamentos diretos para o oceano. Por outro lado, cresceu o número de filantropia que apoia projetos no oceano. Recentemente foi formada a ORCA, instituição que congrega várias filantropias que são destinadas para os oceanos. Mas precisam ser criados outros mecanismos, como os estão sendo criados para as florestas.

O Pacote Azul tem algo em torno de 130 bilhões de dólares disponíveis até 2030 para colocar tudo que está sendo planejado em prática. Não é pouco. Precisamos entrar nesse debate. Ele não foi tão forte na COP30 porque a discussão está sendo iniciada. O oceano precisa estar mais no centro, ser reconhecido como tal, para que depois questões de financiamento e vontade política venham juntas.

IHU – Que outras questões importantes relacionadas aos oceanos ficaram de fora da agenda da COP30?

Marinez Scherer – Um maior reconhecimento dos oceanos e a questão de manter a saúde dos oceanos. Uma das maneiras de mantê-la é diminuir as emissões de CO2 por meio da diminuição da queima de combustíveis fósseis. Esse ponto não ficou de fora da discussão; foi falado sobre isso, mas não foi acordada uma solução. Por mais que existam tecnologias e ecossistemas de captura de carbono, como os manguezais, que são os grandes ecossistemas de captura de carbono, frente à emissão, precisamos diminuí-la. Uma discussão mais franca sobre a emissão dos combustíveis fósseis e a saúde do principal regulador climático do planeta, o oceano, precisa ser mais forte.

IHU – Que políticas públicas são urgentes para o Brasil garantir a saúde dos ecossistemas costeiros e marinhos?

Marinez Scherer – A criação e gestão adequada de espaços naturais protegidos, costeiros e marinhos. O mundo precisa de mais áreas protegidas porque elas servem de reserva para a saúde do oceano. O Brasil tem um número expressivo de áreas protegidas, mas precisamos partir para uma gestão mais efetiva dessas áreas, o que, muitas vezes, não é feito. Não se trata só de designar áreas protegidas por decretos ou leis, mas fazer a gestão sustentável das áreas protegidas: restaurar e proteger os ecossistemas costeiros vulneráveis e sobretudo aqueles relacionados tanto à adaptação quanto à mitigação. Aí leia-se os manguezais, recifes de corais, bancos de algas, restingas e dunas que ajudam na adaptação. O oceano como um todo precisa ser protegido e, para isso, é preciso ter menos CO2 na atmosfera. Em termos de políticas públicas, é preciso ampliar a proteção e restauração dos ecossistemas costeiros e marinhos.

IHU – Estudo realizado por cientistas da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (UCSB), publicado na Nature Sustainability, projeta que o impacto humano sobre a vida marinha global vai dobrar em 25 anos. Quais os principais desafios para reverter o prognóstico anunciado?

Marinez Scherer – A emissão do CO2 é o que está alterando o oceano. O pensamento em cenários nos mostra que temos o cenário atual, o cenário desenhado pela Universidade da Califórnia e o cenário que queremos, que não é este de alteração massiva dos ecossistemas costeiros e marinhos, a ponto de perdermos os serviços ecossistêmicos e o oceano como principal aliado no combate à crise climática.

Se não queremos chegar no cenário que os estudos estão apontando, temos que ter ações. Precisamos parar de queimar combustível fóssil, proteger e restaurar as áreas marinhas. Não podemos desenvolver atividades no mar que tenham impactos não estudados suficientemente, como a mineração em fundo marinho. Isso é uma coisa muito crua para poder ser levada a cabo em águas internacionais – já se sabe que podem ter impactos importantes.

Precisamos combater a pesca deletéria, industrial, que causa destruição de fundos marinhos, que acaba com estoques pesqueiros, e a pesca acompanhante, aquela que não é desejada, mas vem junto e acaba sendo descartada. Também temos que combater a pesca ilegal não reportada no mundo, para a qual não existe nenhuma ação.

A queima de combustíveis fósseis, a mineração do fundo marinho e a pesca que destrói o habitat de fundos marinhos, são atividades humanas que impactam demais os ecossistemas marinhos. No ambiente mais local existem outros impactos, como a destruição de manguezais por construções ou cidades que acabam ocupando áreas muito vulneráveis frente à mudança do clima. Seja por serem ecossistemas muito importantes para captura de carbono, seja por serem ecossistemas que nos protegem das mudanças do clima, como as dunas e restingas. Do global ao local, temos uma capacidade de alteração dos ecossistemas e precisamos olhar para isso com cuidado.

IHU – O Mutirão, como convocação global à ação climática e iniciativa da COP30, é uma proposta que pode significar uma virada civilizatória em relação à conservação dos oceanos e ao enfrentamento das mudanças climáticas?

Marinez Scherer – O oceano tem uma característica que encontramos em alguns lugares da terra, mas não em todos: o oceano é um bem comum da humanidade. Ele tem jurisdição, ou seja, as nações têm áreas que estão sob jurisdição nacional, mas ele é conectado. Os peixes, a água, os habitats e a vida do oceano são bens comuns da humanidade. Nesse sentido, necessitamos estabelecer acordos com toda a sociedade planetária – aí mutirão é uma palavra ótima para isso – para cuidar desse bem comum.

Vamos supor que um país faça tudo certo: não pesque demais e proteja os ecossistemas costeiros e marinhos vulneráveis. Mas o fato é que o oceano está conectado. Os peixes não moram só num país. As baleias não ficam só num lugar. Os estoques de sardinha e atum não ficam só aqui. Por isso, precisamos desse mutirão, porque estamos cuidando de um bem comum de toda a humanidade.

Precisamos dos acordos internacionais. Eles são a única maneira de conseguirmos cuidar desse bem comum. Nesse sentido, o tratado da biodiversidade em águas internacionais, que entrar em vigor em 17-01-2026 (Acordo BBMJ), é uma grande esperança de que os países cheguem a acordos na questão da proteção da biodiversidade, na exploração de recursos genéticos, na pesca deletéria. Esperamos que o planeta consiga olhar, com os olhos do bem comum, esse patrimônio de toda a humanidade.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Marinez Scherer – Tem um ponto muito importante que diz respeito à cultura oceânica. Precisamos conhecer e entender o oceano e os ecossistemas costeiros como nossos principais aliados para que isso vire uma realidade política e econômica de financiamento. A cultura oceânica precisa ser cada vez mais difundida no mundo inteiro.

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